PROLOGO

Hoje excepcionalmente Rivanor segue o caminho para sua casa a pé.
Já é noite e, como de costume, está vindo do bar onde regularmente faz sua parada estratégica e etílica logo após terminar mais um dia monótono de trabalho em uma fazenda. Normalmente não precisa fazer todo este trajeto a pé, já que, quase sempre, consegue uma carona, mesmo que para isso precise ser extremamente chato e persistente, coisa que faz com naturalidade após alguns goles. Esta noite, no entanto, não havia ninguém que pudesse lhe economizar a caminhada de quase cinco quilômetros até sua casa.
Procurando cortar caminho e até mesmo graças ao seu elevado grau etílico que lhe dá uma coragem sobre-humana, resolve sair da estrada e seguir pela mata que ainda resiste bravamente neste cantinho isolado do sul do Brasil. Batizada pelos índios que residiam há muito neste local de “caabaçai”, que significa algo como “floresta do espírito maligno”, é uma mata cercada de inúmeras histórias, lendas e mistérios.
Convencendo a si próprio que as lendas sobre a floresta não passam realmente de lendas, Rivanor puxa seu velho cachimbo do bolso e com muita dificuldade, cambaleando de um lado para outro, acende e traga de forma a amenizar o ar frio que entra em seus pulmões. É outono e a temperatura está, como de costume neste local, extremamente baixa. O luar torna a noite menos escura apesar de que uma névoa fraca e irritante começar a tomar conta de tudo.
Respirando fundo Rivanor dá uma bambeada, volta a equilibrar-se e decidido entra na floresta.
É uma floresta típica dos sul do Brasil, com a diferença que esta é muito bem preservada com suas grandes e velhas árvores repletas de parasitas que formam grandes barbas acinzentadas. Há ainda muitos cipós que pendem de árvores cobertas de musgo verde e muitas, mas muitas araucárias. O chão é todo forrado por gramíneas e folhas secas. Na verdade, mais folhas secas que gramíneas, já que pouca coisa nasce neste local onde, por mais que se esforce a luz solar não consegue entrar. De qualquer forma, é impossível ver a terra.
Tudo é extremamente úmido, demasiadamente frio e, obviamente, muito sinistro.
Dentro da mata a névoa se anima e torna-se ainda mais espessa contribuindo, juntamente com as fechadas copas das árvores que ocultam a luz do luar, para tornar o lugar mais escuro e claustrofóbico. O ruído causado por animais e insetos é evidente, mostrando quanta vida acaba existindo e levando despreocupadamente sua rotina diária em um ambiente preservado como este.
Gradativamente, quanto mais adentra a mata, mais a névoa torna-se espessa.
Em determinado ponto, Rivanor nota com certa estranheza que tudo fica no mais completo silêncio. Não existe mais o cantar dos pássaros noturnos nem o zumbido dos insetos, parece não haver vida neste pedaço de mata ou, se há, tem um bom motivo para não se manifestar. O frio aumenta dramaticamente e Rivanor esfrega e assopra em suas mãos tentando aquecê-las. Não consegue ter certeza se suas pernas estão tremendo pelo frio ou pelo medo que está começando a sentir.
Um sentimento ruim começa a tomar conta de Rivanor que passa a ter impressão que está sendo observado. Um estado de tensão se apresenta e seus sentidos ficam mais apurados graças à adrenalina que seu cérebro que seu corpo começa a despejar compulsivamente em seu cérebro. Suas pupilas se dilatam para que possa enxergar melhor, coisa que não está fácil graças à névoa irritante que está agora muito mais espessa e também, porque não, graças as imagens dúbias e distorcidas criadas pela sua bebedeira. Ele apura sua audição tentando ouvir algum eventual perigo, mas tudo que consegue ouvir é o som de sua própria e ofegante respiração.
Ele olha atentamente, quão atentamente consegue, para todos os lados, cambaleando e tentando identificar algo que lhe ofereça algum risco e, não encontrando nada, após alguns segundos se convence de que é apenas sua imaginação querendo ser engraçada e lhe pregando uma peça. Então, convencido disto prossegue seu caminho.
Com a intenção de controlar seu, aparentemente irracional, medo, Rivanor passa a monitorar seus pensamentos tendo o cuidado em pensar em outras coisas, em coisas agradáveis, tentando distrair-se até sair desta mata escura e sombria. Seus pensamentos, no entanto, são interrompidos por um som macabro que corta o silencio sepulcral da mata como um canivete afiado e quase como um gemido, o chama:
- Ri-va-nor...
Seus pelos eriçam a ponto de seus cabelos quase saírem do couro cabeludo, seu coração dispara e salta no peito. Rivanor tem a certeza de que não fosse por estar com a boca fechada graças ao cachimbo seu coração sairia por ela e correria para salvar-se. Imediatamente em um gesto mecânico tira de seu bolso um isqueiro e, mesmo com imensa dificuldade, utilizando ambas as mãos, o acende.
- Quem está ai? – Pergunta Rivanor com dificuldade e apavorado vira-se cambaleante em todas as direções apontando seu isqueiro tentando descobrir quem o chamou.
- Ri-va-nor... – fala novamente o som em forma de gemido que parece vir de todas as direções. Parece estar em volta de Rivanor.
- Quem está ai? – Pergunta novamente Rivanor quase chorando de pânico, deixando seu cachimbo cair - O que você quer? – Prossegue ofegante virando-se para todos os lados com o isqueiro acesso, caindo e levantando do chão úmido da mata.
Um arbusto chacoalha ao seu lado e Rivanor, apontando seu isqueiro nesta direção, força a vista tentando identificar o que está ali, quando rapidamente um vulto pequeno passa correndo animado pela sua esquerda. Por impulso ele vira-se na direção do vulto quando novamente o vulto pequeno passa, ainda animado, agora por trás dele.
Decidido a não querer mais saber quem está lhe chamando, porque, neste momento esta informação não parece ter nenhuma importância, Rivanor sai correndo desesperadamente tentando sair o quanto antes daquele lugar maldito. O medo extremo que está sentindo o ajuda a melhorar um pouco do porre e a desviar-se das inúmeras árvores que surgem desagradavelmente em sua frente. Ele não olha para traz, quer somente chegar a sua casa o mais rápido possível, porém, sua pressa é interrompida por um tropeço em uma raiz de arvore que decidiu sair da terra mesmo sem ter um bom motivo e ele cai com toda força que a gravidade pode exercer, sobre o chão coberto de folhas secas soltando um grito de dor após bater com o nariz no chão.
- Ri-va-nor... – chama novamente a voz que parece um chiado – vim te buscar... – completa com uma voz fria e cruel.
Sentado no chão úmido Rivanor acende novamente seu isqueiro apontando para todas as direções com seus olhos arregalados e nariz doendo, procurando a origem da sinistra voz. Novamente um vulto pequeno passa animadamente, agora pela sua frente. Rivanor sai arrastando-se para traz, ainda no chão, decidido a fugir de seja lá o que for.
- QUEM É VOCÊ? – Grita Rivanor agora tentando tomar impulso para levantar-se.
Novamente a estranha, e animada, figura se torna visível, só que agora, está ao lado de Rivanor, a uns poucos centímetros de seu rosto. Virando-se para criatura, Rivanor pode ver claramente seus terríveis olhos amarelos. Em uma atitude de desespero tenta levar seu punho ao encontro dos olhos amarelos, mas é impedido. Sem opção melhor tenta levantar-se, mas novamente é impedido por algo que segura um de seus pés e ele cai novamente no chão úmido enquanto sente seu corpo ser puxado em direção à sinistra figura.
Ainda tenta segurar-se enfiando seus dedos pelo solo coberto de folhas, porém, tudo que consegue é limpar um pedaço do solo tornando visível a terra preta que está escondida abaixo das folhas.
Logo o silêncio da noite é quebrado pelo grito desesperado de Rivanor.
Infelizmente para ele, o grito não tem efeito algum, já que nesta floresta não havia ninguém para ouvi-lo, ao menos, ninguém que pudesse ou tivesse disposto a ajudá-lo. Em poucos segundos seus gritos cessam deixando o silencio que, aos poucos também vai embora quando os seres que vivem neste pedaço de floresta decidem que é seguro voltar a sua agradável e simples vida selvagem.